São demagógicas as medidas anunciadas pela presidente Dilma Rousseff para melhorar a saúde no País, por meio do pretendido aumento da oferta de médicos, tanto brasileiros como estrangeiros.
Na verdade, elas beiram a irresponsabilidade, na medida em que não apenas deixam de lado os problemas mais graves do setor - ou seja, nada resolvem, apesar do estardalhaço -, como ainda poderão produzir efeitos ao mesmo tempo desastrosos e duradouros, por causa das mudanças que introduzem nos cursos de medicina e nas relações de trabalho dos futuros médicos, em seu início de carreira.
A duração já longa do curso de medicina passará de 6 para 8 anos, a partir de 2015. Considerando o tempo necessário para especialização, a formação de um médico vai durar pelo menos 10 anos. Concluídos os 6 anos do curso, os estudantes passarão a um segundo ciclo, durante o qual terão de trabalhar por 2 anos, com registro provisório, no Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse período, receberão uma bolsa do Ministério da Saúde, cujo valor ainda não foi definido, mas que deve ficar entre o que é pago para residências médicas (R$ 2,9 mil mensais) e o que recebem profissionais inscritos no Programa de Valorização dos Profissionais na Atenção Básica (R$ 8 mil). No primeiro ano trabalharão na rede de atenção básica e no segundo, nos serviços de urgência e emergência.
O governo quer aumentar o número de médicos na rede pública e melhorar a formação dos novos profissionais. No primeiro caso, deverão também ser abertas 11.447 novas vagas para graduação e mais 12.376 postos de especialização, em áreas prioritárias, até 2017.
Sem falar na contratação de médicos estrangeiros para atuar, com registro provisório, em pontos críticos no interior do País.
Quanto ao segundo caso, esta não parece a forma mais adequada de aprimorar o ensino. Tudo indica que essa parte só entrou no programa para torná-lo mais palatável.
Não por acaso seu nome é Mais (e não Melhores) Médicos.
Esse programa levanta questões da maior seriedade, às quais todos os que têm uma parcela de responsabilidade nos problemas da saúde devem estar atentos.
Em primeiro lugar, o trabalho compulsório dos estudantes que concluem o sexto ano de medicina - em faculdades públicas e particulares - no SUS é um ato de força inaceitável.
É uma forma de retorno ao regime de servidão, disfarçada com belas palavras e boas intenções. Quem diria que chegaríamos a tanto a esta altura da História e sob um governo que se diz progressista.
A alegação de que existe algo semelhante na Grã-Bretanha não convence. A começar pelo fato de a situação ser lá completamente diferente. Nada comparável ao que existe aqui.
Esse país tem um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo e não chegou lá por usar mão de obra servil.
Em segundo lugar, o que o governo está tentando fazer com o Mais Médicos é transferir a solução dos problemas da saúde no Brasil - que lhe cabe - para os jovens médicos.
Em terceiro lugar, erra até mesmo na identificação desses problemas.
Um deles, talvez o mais grave - e que vem de longe -, é o da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos custos. Como os outros 40% não caem do céu, isto criou uma situação insustentável, que ameaça levar ao colapso o sistema de saúde pública a curto prazo. Outro é a incapacidade das redes de hospitais e de laboratórios - tanto públicas como privadas - de atender à demanda. Estudo feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) indica que, apenas no SUS, houve uma redução de 41 mil leitos hospitalares entre 2005 e 2012.
Esses, sim, são os grandes problemas da saúde. Se eles não forem atacados e resolvidos logo - e até agora o governo não anunciou medida séria nesse sentido -, para quais hospitais o programa Mais Médicos enviará os pacientes? Acrescente-se, finalmente, que tal programa levanta questões legais que poderão levar a longa batalha judicial.
Quem resumiu bem esse caso foi o presidente do CFM, Roberto d'Ávila:
"As medidas são paliativas, midiáticas e eleitoreiras".
10 de julho de 2013
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