"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

PAZ, LIBERDADE E LOUCURA

             
          Artigos - Cultura 
Eu diria que o mundo está cada dia mais confuso. Em um recente artigo, Jeffrey Sachs faz uma exaltação do presidente John Kennedy por sua habilidade para haver conseguido a paz com a Rússia, por seu acordo com Kruschev durante a chamada Crise dos Mísseis. Cita então o discurso de Kennedy quando ele diz: “Tanto os Estados Unidos e seus aliados, quanto a União Soviética e os seus, têm um profundo interesse mútuo em uma paz genuína e justa, e em deter a carreira armamentista”. Kruschev considerou esse discurso o melhor desde os tempos de Franklin Roosevelt.

Permitam-me primeiramente lembrar que Kennedy traiu os cubanos na Baía dos Porcos, ao não cumprir o acordo de fornecer o apoio da aviação americana.
Certamente durante a crise dos mísseis ele pactuou com Kruschev a entrega de Cuba à órbita soviética com a condição de que tirassem os mísseis da ilha.
Essa decisão definiu o começo da subversão na América Latina, financiada pela Rússia e treinada em Havana. Porém, lembremos igualmente que a aparente apreciação de Roosevelt por Kruschev é decididamente compreensível, dado que em Teerã e Yalta ele entregou o Leste Europeu à União Soviética, da qual se livrara com a queda do Muro de Berlim, enquanto que permanece o Muro do Malecón.

Vale lembrar então as palavras da deputada venezuelana María Corina Machado, a respeito do que considera a traição da América Latina à democracia venezuelana, que disse:
“Os governos latino-americanos nos traíram. Traíram a democracia da Venezuela, os democratas venezuelanos que combateram o falecido Hugo Chávez e mantêm a luta contra a ditadura de Nicolás Maduro”.

Vou insistir então em que a primeira traição foi a de Cuba que, seguindo os passos de Kennedy, reconheceu o governo mais criminoso que a América Latina já produziu até esta data.
Certamente nessa mesma disposição nos encontramos com os Estados Unidos na atualidade, tanto que Obama negocia com Raúl Castro e certamente a União Européia.

Lembremos que quando em Honduras se destituiu constitucionalmente o presidente Zelaya, comunista e amigo de Chávez, teve lugar uma reunião da OEA. Nessa reunião se decidiu expulsar Honduras da instituição e se solicitou a Fidel Castro que Cuba reingressasse nela. Certamente Fidel rechaçou a proposta. Nessa decisão participaram também os Estados Unidos.
E a respeito, lembremos também que a União Européia impôs restrições comerciais a Honduras e levantou as de Cuba.

Outro tema que vai além é o que se refere à guerra. Elas não terminaram pelo acordo Kennedy-Kruschev, senão em virtude das armas nucleares. E a respeito, vale lembrar as sábias palavras de Alberdi, ditas em tempos que não se tinha sequer noção da existência das armas nucleares. E assim ele disse:
“As guerras serão mais raras na medida em que a responsabilidade por seus efeitos se façam sentir em todos os que as promovem e as incitam”.
Esse foi o efeito das armas nucleares, e do mesmo modo ele previu que as guerras seriam por mandato, quer dizer, o terrorismo hoje prevalecente.
Assim também é um fato que o anti-imperialismo não é mais do que uma desculpa para justificar o poder político interno em nome do nacionalismo.

A conseqüência aparente dessa realidade é que, segundo as últimas notícias, os Estados Unidos teriam violado a emenda IV da Constituição pela primeira vez em sua história. Na mesma se garante a segurança das pessoas.
Ou seja, a segurança frente à arbitrariedade do Estado, a propriedade privada e certamente a liberdade de imprensa. Segundo o Sr. Edward Snowden, que trabalhava para a “Agência de Segurança dos Estados Unidos” (CIA), os Estados Unidos estariam violando os direitos não só dos cidadãos americanos, senão também os dos países amigos como a União Européia.
Assim escapou a Rússia e Putin se nega a extraditar Snowden. Porém, a situação é igualmente confusa pois posteriormente Putin condicionou a estada de Snowden na Rússia a que não fizesse declarações contrárias a seu país, amigo dos Estados Unidos.

Por sua parte, a União Européia manifestou-se indignada pela espionagem dos Estados Unidos. Assim, a ministra da Justiça alemã disse: “É inconcebível que os americanos considerem os europeus como inimigos”.
A meu ver, a suposta espionagem à União Européia teria sido a concepção de Oriana Fallaci que chamou a Europa de Eurábia, pela crescente imigração muçulmana.
Nesse sentido, é indubitável que o maior risco de terrorismo hoje em dia é constituído pela atitude muçulmana conforme a qual se mata em nome de Alá.
Isso não significa que no ocidente não exista razão própria do terrorismo em nome do jacobinismo presente na suposta busca da igualdade.

Mais recentemente temos notícia de que França, Itália e Portugal impediram a passagem por seu território do avião em que se supunha Snowden viajava para a Bolívia. Por outra parte, o fato de que Snowden tenha escolhido o Equador para seu asilo político é também uma inconseqüência.
No Equador é cada dia mais evidente a ausência de liberdade de imprensa e a respeito Correa acaba de imitir uma lei que a condiciona.
Porém, agora de novo, depois de haver-se manifestado violentamente contra os Estados Unidos e rechaçado as preferências tributárias, Correa teve uma conversa com o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e condicionou o outorgamento do asilo.

Outro aspecto da confusão presente é o significado da queda do Muro de Berlim. Esse fato foi tomado como um triunfo do Ocidente frente à União Soviética. Eu me atreveria a dizer que não há tal coisa.
O fato resultou principalmente em um laivo de liberdade no Leste Europeu e certamente dentro de certos limites na própria Rússia. Em outras palavras, estão tentando reinstaurar na zona o mal chamado capitalismo, ou seja, a liberdade econômica.
Por sua parte, a União Européia, pretendida representante da amante de Zeus, continua votando democraticamente pelo sistema econômico que se haveria derrubado com a queda do Muro.

Marx via Bernstein e a social-democracia mediante está presente na União Européia. Tanto assim que recentemente Tery Eagleton publicou um livro intitulado “Why Marx Was Right”, no qual pretende justificar a teoria marxista e culpar o fracasso da União Soviética por não ter sabido aplicar a teoria de Marx, que já havia previsto que o socialismo só era possível nos países avançados e não nos pobres.
Porém, foi Edward Bernstein quem depois de confundir o socialismo como uma etapa superior do liberalismo, em sua obra “As Pré-condições do Socialismo” discutiu com Marx e propôs que o advento do socialismo não requeria a revolução, senão que chegaria democraticamente via social-democracia. E lamentavelmente, teve razão.

Na Europa prevalece o Estado de Bem-Estar cuja crise parece irreversível pois, como escreveu o jornal The Economist: “O problema da Europa é o sistema, porém quem o quer mudar perde as eleições”.
Esse presságio é evidente e vimos como na França a esquerda ganhou, frente a uma suposta direita que mantinha um gasto público de 75% do PIB. Assim, a crise européia persiste e a União Européia não cresce enquanto padece um condicionamento monetário via o Euro que é inviável para a maioria dos países da zona. E não obstante esta realidade, do outro lado do ocidente o Presidente Obama parece tentar os passos do Estado de Bem-Estar.
Como manifestou-se durante a campanha, está a favor dos pobres e portanto contra os ricos. E lamentavelmente nessa falaz dicotomia ética a esquerda ascende ao poder e cria mais pobres. Por último, cabe assinalar que a China parece ter-se afastado de Marx e reencontrado Confúcio, e cresce a taxas inigualáveis. Enfim, posso dizer que não entendo:
“Este mundo está louco, louco. Por favor, parem o mundo que eu quero descer” (Mafalda).

10 de julho de 2013
Armando Ribas
Tradução: Graça Salgueiro

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