Escrito pelo diretor do Instituto Liberal Alexandre Borges.
Reproduzido na integra:
Na semana em que os EUA comemoraram os 237 anos da Declaração da Independência, o país chega a marca simbólica de mais de 100 milhões de beneficiários de algum tipo de subsídio alimentar governamental. Pela primeira vez na história daquele país, mais pessoas recebem ajuda do governo para comer do que possuem empregos de tempo integral na iniciativa privada.
Os números do atual governo americano traduzem um desastre econômico indiscutível, mesmo que sua tropa de choque na imprensa ainda tente mascarar a situação ou culpar seu antecessor com a surrada e leviana narrativa da “pior crise desde a Grande Depressão”, que ignora por exemplo o cenário de horror herdado por Ronald Reagan de Jimmy Carter em 1981 (PIB em queda de 0,3%, inflação de 13,5% e desemprego acima dos 10%).
O feriado de 4 de julho festeja a publicação em 1776 de um texto definidor da construção dos EUA, que reconhece em cada cidadão direitos inalienáveis e auto-evidentes, entre eles o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Caberia então ao governo proteger a segurança física dos cidadãos, suas liberdades civis e o reconhecimento de que felicidade é uma busca pessoal e intransferível. E esses princípios criaram as condições para o nascimento da nação mais próspera e livre da história.
Essa perspectiva é totalmente diferente de outros países democráticos, especialmente os ocidentais, que tratam praticamente tudo que envolva a vida do cidadão como “direito” a ser financiado ou presentado pelo estado babá. Na atual Constituição da União Européia, por exemplo, é considerado um direito humano “viajar uma vez por ano para um país estrangeiro”. E quem paga por esses “direitos”? Os inchados e falidos governos que condenaram toda uma geração de jovens europeus ao desemprego.
Sexo, drogas e rock’n’roll
O século XX é conhecido como o “século americano”, quando uma ex-colônia, com a mesma idade do Brasil, chegou a representar mais da metade da riqueza do mundo. Durante as últimas décadas, os EUA lideraram o mundo nas quatro áreas que interessam: militar, econômica, científica e cultural. Uma história excepcional que, ainda hoje, mesmo com 5% da população mundial produz 24% da riqueza, ou três vezes o PIB da China com menos de um quarto da sua população. Mas foi no próprio século americano em que as sementes da destruição começaram a ser plantadas.
Nos anos 60, o país teve um ponto político e cultural de inflexão. Enquanto nos anos 50 americanos como Frank Sinatra, Elvis Presley, Marilyn Monroe, James Dean e John Wayne hipnotizavam o mundo, na década seguinte o país enfrentaria uma divisão política que só teve paralelo cem anos antes, na Guerra de Secessão (1861-1865). Como resumiu Henry Kissinger, “o que mudou o cenário político nos anos 60 foi o nascimento de uma oposição radical, talvez traumatizada pelo assassinato de John Kennedy, que dizia que o governo americano representava um mal para o mundo, que cometia crimes de guerra e mentia deliberadamente para o cidadão, algo inimaginável até a década anterior.”
Nascia a era em que fazer oposição não era mais discutir idéias mas criar caricaturas que retratavam os adversários da direita como racistas, homofóbicos, misóginos, intolerantes, insensíveis, corruptos, belicosos, fundamentalistas religiosos e ignorantes.
Para a nova geração, os EUA não eram mais motivo de orgulho patriótico e sua história, seus símbolos, seus líderes e seu legado deveriam ser ferozmente combatidos na busca da construção de uma nova utopia inspirada na esquerda européia com raízes no iluminismo francês. O país estava novamente dividido como nos anos 60 do século anterior, quando um grupo de negros e alguns brancos abolicionistas fundaram o Partido Republicano com a bandeira do fim da escravidão contra o Partido Democrata de Andrew Jackson, que dizimou os índios do Oeste, e dos donos de escravos do sul que preferiam separar o país em dois a acabar com a escravidão. E assim como os antigos donos de escravos, os novos representantes do Partido Democrata se armavam para guerra, só que agora puramente ideológica.
A Lua ou Woodstock?
Em julho de 1969, Neil Armstrong pisava na Lua, cumprindo a meta traçada por John Kennedy em 1961 e coroando a geração dos heróis que venceram o nazi-fascismo. Um mês depois, em agosto, 500 mil jovens invadiam a zona rural da cidade de Bethel (NY), no que ficou conhecido como o festival de Woodstock, em que durante quatro dias de música, orgias na lama e drogas, em condições de salubridade e higiene inimagináveis, a próxima geração de americanos se apresentava.
A autoridade moral do país começava a ser dilapidada por dentro e um novo país nascia dessa juventude narcisista, hedonista e mimada. Criados na fartura do pós-guerra e doutrinados em universidades com professores e intelectuais influenciados pelos marxistas da Escola de Frankfurt, desdenhavam do sonho americano e gritavam “sexo, drogas e rock’n’roll”.
Essa juventude radical tinha como inimigo declarado Richard Nixon, o presidente eleito em 1968 e reeleito em 1972 com uma das vitórias mais esmagadoras da história (520 votos a 17 no colégio eleitoral). Ele era o alvo por representar o governo que bombardeava pobres vietnamitas indefesos, mesmo considerando que ele herdou a guerra dos democratas John Kennedy e Lyndon Johnson, mas a conhecida indignação seletiva da esquerda preferiu tratar Nixon como inventor do conflito.
Em janeiro de 1973, o Acordo de Paz de Paris traria uma esperança de fim da guerra, tão importante que o principal articulador do acordo, Henry Kissinger, receberia o Nobel da Paz no mesmo ano. Mas a história reservava uma surpresa que mudaria tudo.
Os próximos meses revelariam que Nixon estava intimamente ligado ao que se chamou de caso Watergate, um escândalo de espionagem da sede do Partido Democrata. Nixon estava nas cordas, politicamente morto, e em agosto de 1974 o presidente renuncia ao cargo, semanas antes das eleições legislativas que dariam maioria para os democratas tanto no senado quanto na câmara dos deputados. Os políticos que demonizavam Nixon e diziam “faça amor, não faça a guerra” chegavam ao poder.
Com a virada partidária e ideológica do Congresso, o Acordo de Paz de Paris foi na prática rasgado e os vietnamitas entregues à própria sorte. As dotações orçamentárias das tropas americanas são cortadas e elas são obrigadas a se retirar da região de forma humilhante, traindo a palavra empenhada com o Vietnã do Sul e começando um banho de sangue sem precedentes tanto no Vietnã quanto no Camboja, um período realmente trágico em que milhões são abandonados em nome de uma disputa política interna nos EUA.
Em 1976, Jimmy Carter, um esquerdista incompetente e obtuso, é eleito presidente e mergulha o país numa profunda crise econômica. O país é resgatado por Reagan em 1981, que se elege presidente, se reelege e depois faz seu sucessor. Nesse período os EUA ensaiam retomar o orgulho nacional perdido nos anos anteriores, o mercado de capitais bate recordes e a década conhece a revolução digital com a popularização do computador pessoal e as bases para a invenção da telefonia celular e revolução da internet. A URSS entra em colapso e cai com o Muro de Berlim.
Em 1992, o moderado e carismático Bill Clinton é eleito presidente dizendo que “a era do estado inchado acabou”, reconhecendo os ganhos econômicos de 12 anos de Reagonomics e, limitado por um congresso oposicionista liderado por Newt Gingrich, consegue manter o país em superávit e criando as bases para um boom econômico e a euforia dos mercados.
Em 2000 é eleito George W. Bush contra Al Gore e a oposição, já radicalizada, resolve partir para o tudo ou nada e questionar o resultado das eleições na Suprema Corte, jogando uma suspeição na lisura do processo que ainda não foi totalmente resgatada. A cultura pop, já totalmente cooptada pela esquerda democrata, parte para a demonização de Bush com ainda mais violência do que nos tempos de Nixon, e figuras como Michael Moore são alçadas ao palco da política, abraçando sem rodeios a tese dos terroristas de 1968 que os adversários não poderiam ser combatidos com argumentos, mas demonizados como vilões, monstros e inimigos.
A resposta aos ataques do 11 de setembro de 2001 foi a invasão do Iraque em 2003, amplamente apoiada pelos dois maiores partidos e pela imprensa, além da comunidade internacional, com destaque para Inglaterra. Poucos meses depois, durante as primárias do partido democrata para as eleições presidenciais do ano seguinte, o partido resolve criar a narrativa de que a guerra foi feita a partir de provas forjadas, que o governo era criminoso, e passa a atacar o presidente e todo o esforço de guerra, tentando capitalizar eleitoralmente, como em 1974, o discurso “pacifista”.
Mesmo reeleito em 2004, o governo Bush não consegue diminuir a polarização política extrema e em 2008 a oposição consegue eleger o candidato ideologicamente mais à esquerda da história americana, Barack Hussein Obama. Poucas semanas antes da eleição, em 15 de setembro de 2008, o banco Lehman Brothers quebra e, como ele, o candidato John McCain, um herói da guerra do Vietnã e politicamente moderado, é engolido pela crise.
Entre o Quênia e a Bélgica
Obama acrescentou 6 trilhões de dólares ao déficit em 5 anos mas não dá o menor sinal de que se arrepende dos caminhos escolhidos. Reeleito ano passado por uma margem apertada no voto popular, mantém uma agenda de descartar o “sonho americano”, uma idéia que ele rejeita explicitamente, tentando aproximar o país de modelos europeus de “bem estar social”, um eufemismo para o modelo socialista de aumentos de impostos, economia com forte intervencionismo estatal, balcanização da sociedade em minorias transformadas em currais eleitorais e assistencialismo.
O “bem estar social”, que prefiro chamar de “mal estar socialista”, não deu certo na Europa e não dará nos EUA, já mergulhado numa crise que levará, na melhor das hipóteses, décadas para ser vencida. A próxima geração de jovens americanos, que em grande parte vota em Obama, é a grande vítima.
Os jovens de hoje deverão em pouco tempo, como a atual geração de europeus, pagar a quase impagável conta da gastança estatal de inspiração socialista. Mesmo assim, se um americano hoje nasce entre os 20% mais pobres, ele tem mais chances de terminar a vida entre os 20% mais ricos do que continuar entre os mais pobres, o que faz os EUA o país da mobilidade social, um sistema que funciona há 200 anos mas que está sob fogo cerrado.
Os 100 milhões de americanos recebendo comida do governo não terão acesso ao sonho americano, mas à falência européia, e isso é mais grave do que parece. Daniel Hannan, deputado britânico indicado para o parlamento europeu, certa vez ironizou as idéias do atual presidente americano dizendo: “falam que Obama nasceu no Quênia, o que é uma bobagem, ele claramente nasceu na Bélgica.”
O império britânico trouxe a revolução industrial, crescimento econômico inédito, democracia e estabilidade para o Ocidente. Quando acabou, após a Segunda Guerra, seu papel foi assumido pelos EUA, que dá os mesmos sinais de desgaste que sua ex-metrópole forneceu poucos anos antes do império ruir. Só que agora não há um único país democrático ocidental com recursos, firmeza, autoridade moral e disposição para impedir que ditaduras como a chinesa assumam o controle, com consequências que é melhor nem começar a prever.
Ano passado, Newt Gingrich acusou Obama de ser o “presidente vale-refeição” pela forte distribuição de benefícios patrocinada pelo seu governo, como os governos bolivarianos da América do Sul fizeram, e foi desossado pela imprensa chapa-branca. Hoje está claro que Newt estava certo. Incerto, neste momento, é o futuro do Ocidente e do sonho americano.
10 de julho de 2013
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