"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 11 de junho de 2013

APOSTA EM "CAMPEÕES" NACIONAIS AFETA AS CONTAS DO BNDES

 
Empresas perderam valor na Bolsa. No ano passado, BNDESPar respondeu por só 3,7% do lucro do banco
 
 
 
 A venda da Seara pela Marfrig para a JBS, as mudanças na diretoria da Oi e os problemas enfrentados por empresas como Petrobras, Eletrobras e o Grupo EBX, de Eike Batista, já causam um efeito colateral: a piora das contas do BNDES. O banco de fomento, nos últimos anos, optou por priorizar a concessão de empréstimos e a participação acionária em grandes grupos empresariais, para criar os chamados “vencedores nacionais”, companhias que passariam a ter porte global.
 
Só que, em momentos de baixa nas ações e menor lucratividade, o banco acaba afetado por estar muito exposto a poucas indústrias. Além da queda no lucro do banco, essa situação tem impacto no próprio valor do patrimônio da instituição, reduzindo sua capacidade de conceder novos empréstimos.

— À medida que a economia vai desacelerando, e os “campeões” já não estavam indo bem, com o banco muito exposto a essas empresas, o cenário não é muito bom — afirma Sergio Lazzarini, do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper), autor de “Capitalismo de Laços”, livro em que aborda as ligações entre governo e grandes empresas privadas.
 
Lazzarini explica que se, no passado, o banco lucrava com os dividendos das empresas nas quais tem participação, essa tendência mudou. Com a economia desacelerando, a perspectiva é lucros menores nas empresas que compõem a carteira do BNDESPar. O braço de participações do BNDES, que sempre respondeu por pelo menos 40% do lucro do banco, viu sua fatia nos ganhos encolher para 3,7% no ano passado.
 
O economista Sergio Vale, da MB Associados, prefere chamar a participação via BNDESPar de “estatização travestida de financiamento”.
 
— Não vejo com bons olhos esse excesso de participação do governo na governança das empresas. A maior parte delas não resultou em nenhum avanço significativo para o país. Pelo contrário, no caso das empresas X (do Grupo EBX, como OGX, LLX e MMX), corre-se um risco maior pelo montante de endividamento a que chegaram essas empresas —afirmou.
 
O lucro líquido do BNDESPar caiu de R$ 4,252 bilhões em 2011 para R$ 298 milhões em 2012, queda de 93,1%. Segundo o próprio balanço da instituição, de um lado, dividendos e juros sobre capital próprio encolheram. Vale, Valepar e Petrobras tinham contribuído com R$ 2,806 bilhões em 2011, por exemplo. Essa contribuição caiu para R$ 1,559 bilhão no ano passado.
 
Além disso, há o impacto da perda de valor de mercado dessas empresas na Bolsa de Valores. Segundo o relatório do BNDESPar, houve “ ajuste de avaliação patrimonial negativo no montante de R$ 2,956 bilhões, decorrente da desvalorização do valor das ações de algumas companhias acompanhando o momento instável do mercado de capitais internacionais”.
 
No mercado, perda de R$ 10,4 bilhões
 
O banco lembra, contudo, que este impacto do valor das ações é contábil, não financeiro. O valor da participação do BNDESPar nas empresas varia de acordo com o preço das ações no mercado. A variação, no entanto, não significa ganho ou perda efetivos, que se dão apenas quando o BNDESPar vende suas fatias nessas companhias.
 
A perda de valor de mercado, contudo, é relevante. Segundo levantamento do GLOBO, apenas cinco grandes empresas que estão na carteira do BNDESPar — Petrobras, Eletrobras, Marfrig, JBS, Embraer — tiveram perda em valor de mercado, somadas de R$ 10,4 bilhões entre o fim do primeiro trimestre de 2012 ao fim do primeiro trimestre deste ano. A perda é muito influenciada pela Petrobras, que sozinha viu seu valor de mercado encolher R$ 8,6 bilhões. A Embraer, por outro lado, apresentou valorização de R$ 133 milhões no período.
 
O lucro do banco também encolheu: no primeiro trimestre, o ganho foi de R$ 411 milhões, 22,7% menor que os R$ 538,3 milhões apurados nos três primeiros meses de 2012.
 
Diante desse desempenho, o governo precisou fazer nova injeção de recursos no BNDES. Medida provisória publicada na quinta-feira passada autoriza a União a conceder crédito de até R$ 15 bilhões para a instituição aumentar seu capital. Segundo o Ministério da Fazenda, a capitalização do BNDES tem o objetivo de enquadrar o banco nos novos limites internacionais de segurança financeira. Os ativos do BNDES correspondem a 13% do capital de referência, mas as regras estabelecem que esse índice tem que ser superior a 11%.
 
O resultado ruim dessas empresas, muitas vezes, são motivados por questões alheias ao mercado. Os papéis e o lucro da Petrobras — que recebeu os dois maiores empréstimos da história do banco, somando R$ 59,7 bilhões em valores corrigidos —, por exemplo, mingou com a política do governo de impedir o livre reajuste dos combustíveis para segurar a inflação. As ações da Eletrobras despencaram depois que o governo criou uma nova política para o setor, visando a redução dos preços da energia elétrica para o consumidor. Já no caso da Oi — que sozinha recebeu metade de todos os recursos que o BNDES destinou ao setor de telecomunicações desde 1998 —, o crescimento acelerado, fomentado pelo governo na fusão com a Brasil Telecom, gerou uma dívida que hoje está em R$ 27,5 bilhões.
 
Os frigoríficos, por sua vez, estão sofrendo com a alta do endividamento por causa de um crescimento muito rápido. A aquisição de concorrentes de grandes países fez esses grupos multiplicarem seu faturamento e, também, seu endividamento. A dificuldade de absorver novas empresas têm pesado no resultado de algumas companhias.
 
— O setor está com uma perspectiva favorável, o consumo tem crescido, os preços dos alimentos subiram e há a perspectiva de que o custo de alguns insumos, como a soja, devem cair —afirmou Fabrício Freitas, da Humaitá Investimentos.
 
Para o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, a política de eleição de empresas é aceitável com a condição de que resulte em desenvolvimento para o país. Ele cita o caso da Embraer, entre outras, que sempre que investe fora do país, segundo ele, se afasta do projeto de fomento do banco:
 
— O BNDES não é um banco de investimento, é um banco de fomento.
 
O professor Luiz Gonzaga Belluzo, da Unicamp, discorda das críticas e lembra que este apoio do BNDES é fundamental para que o país tenha uma política industrial.
 
Procurado, o BNDES não respondeu ao pedido de informações.

11 de junho de 2013
Henrique Gomes Batista, Clarice Spitz, Bruno Villas Bôas e Lucianne Carneiro - O Globo

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