Dia 16 de maio de 2013. Sessão vespertina do Senado. Na pauta, a votação da medida provisória dos portos. Fora aprovada pela Câmara no início da manhã, após uma maratona de 41 horas. Perderia a validade à meia-noite. Para evitar, Renan Calheiros atropelara as normas e perdera o recato. Numa tentativa de atenuar o constrangimento, o presidente do Senado assumiu, sob holofotes, um compromisso:
“A partir de hoje, qualquer medida provisória que venha com menos de sete dias da Câmara dos Deputados não será pautada no Senado Federal, pelo menos enquanto eu for presidente. Essa anomalia institucional não vai continuar, não pode continuar. Ela apequena o Senado. E o Senado não pode conviver com isso.”
Decorridos 12 dias, Renan será abalroado nesta terça-feira (28) por um desses dilemas definidores: ou o presidente do Senado impõe a Dilma Rousseff uma derrota constrangedora ou desmoraliza-se. O governo tentará votar na Câmara, até o meio da tarde, duas medidas provisórias que chama de “essenciais”. Ambas perdem a validade em 3 de junho.
Ou seja: se o Planalto conseguir mobilizar sua infantaria na Câmara –algo que tenta desde a semana passada, sem sucesso— os senadores terão seis dias para deliberar, não sete. “Nós vamos cobrar a promessa do Renan”, disse ao blog na noite passada o senador Álvaro dias (PR), vice-líder do PSDB. “Foi um compromisso que ele assumiu solenemente. Ficará mal para ele se não cumprir a palavra. E para o Senado, que virou, como tenho dito, almoxarifado do Executivo.”
São mesmo relevantes as medidas provisórias que se encontram sob ameaça de caducar. Uma, a 605, foi editada para assegurar o desconto que Dilma concedeu às contas de luz em janeiro. Outra, a 601, estende a vários setores da economia o benefício da desoneração da folha de pagamento. O diabo é que, a despeito da relevância das matérias, o Planalto não conseguiu mobilizar sua tropa na Câmara. Tentou na quarta-feira (22). Nada. Realizou nova tentativa na noite passada. Necas. Voltará à carga nesta terça (28).
A oposição obstruiu as votações. Porém, somando-se todas as cadeiras ocupadas por deputados oposicionistas, chega-se a 90 votos. Um contingente mequetrefe se comparado com os 423 votos da brigada dos partidos governistas e suas agremiações agregadas. Líder do PT, o deputado José Guimarães (CE) foi ao microfone para atacar a turma do PSDB, do DEM e do PPS.
“A oposição não tem compromisso com o fortalecimento da indústria brasileira?”, indagou Guimarães. “A oposição não quer as desonerações? Vamos continuar dando condições para as tarifas de energia baixarem? Essa MP 605 faz isso. A oposição vai obstruir? Essas MPs interessam ao país.”
O líder petista soaria mais lógico se dirigisse o mesmo discurso aos companheiros de condomínio. No enredo do Parlamento, cabe à oposição se opor. O diabo é que, para desassossego de Dilma, a obstrução ganhou a adesão de levas de governistas. Lidera o bloco de insurretos o PSD de Gilberto Kassab, uma legenda que acaba de ser premiada por Dilma com o Ministério da Micro e Pequena Empresa.
Vitaminado pelo PSC do deputado-pastor Marco Feliciano, pelo pseudo-independente PV e por insatisfeitos de todas as colorações partidárias, o PSD impõe uma condição para levantar o bloqueio imposto às MPs. Exige que seja pautada também a votação de um projeto de lei que extingue o adicional de 10% do FGTS pago pelas empresas nos casos de demissão sem justa causa.
Instituída em 2001, essa alíquota destinava-se a compensar perdas impostas por dois planos econômicos –o Plano Collor e o Plano Verão. Hoje, a cobrança já não faz nexo. Mas o governo recusa-se a abrir mão da receita. Coisa ao redor de R$ 3 bilhões por ano. Numa tentativa de furar o bloqueio, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, levou à mesa uma proposta: em troca do quórum para a votação das MPs, incluiria o projeto do FGTS na pauta de agosto. O PSD insiste em votar antes do recesso do meio do ano, ainda em junho.
A sessão foi aberta às 18h. Para que a votação fosse iniciada, o governo precisaria levar ao painel eletrônico pelo menos 257 presenças. Dos 513 deputados, havia na Casa 364 deputados. Desse total, apenas 164 se animaram a dar as caras no painel até as 19h30. Decorridas mais duas horas, o quórum do painel subiu para 233. Estava entendido que o condomínio governista abandonara Dilma à própria sorte.
Diante da reiteração do inusitado, Henrique Alves viu-se compelido a encerrar a sessão, remarcando a votação para esta terça. “É incrível, mas a base do governo, com 420 deputados, não consegue dar um quórum mínimo de 257. Isso numa votação de matérias medidas provisórias importantíssimas, que estão próximas de caducar!”, comentou o presidente da Câmara em conversa com o blog. “A oposição faz o papel dela. Cabe ao governo fazer o seu.” É, faz sentido. Resta agora saber que papel Renan Calheiros reservará para si nesse enredo.
28 de maio de 2013
Josias de Souza - UOL
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