Nobel da Paz diz que Bolsa Família é assistencialista e que o assistencialismo deve dar espaço a soluções de longo prazo
O Nobel da Paz Muhammad Yunus está no Brasil nesta semana para para lançar um fundo de apoio aos negócios sociais, além de uma filial do Yunus Social Business Centre, o primeiro Centro Acadêmico de Negócios Sociais da América Latina. O objetivo da instituição será fomentar o conceito e a prática do “negócio social”. “Ao se enveredar para o mundo dos negócios, a pessoa deve escolher entre acumular dinheiro ou solucionar problemas”, explicou Yunus, em palestra nesta segunda-feira em São Paulo, para um público formado por estudantes, professores, empresários e jornalistas. “Caso opte pela segunda alternativa, é preciso criar metas anuais de alcance para seu projeto como incentivo, da mesma forma como as empresas tradicionais focam no lucro”, completou. O modelo já existe no Japão, Coreia, Itália, Alemanha, Estados Unidos, França e Turquia.
Ao ser questionado por um jornalista, “por que o Brasil?”, Yunus rebateu com outra pergunta: “por que não o Brasil?”. Segundo ele, o país tem se mostrado muito consciente sobre as questões sociais e interessado em achar soluções locais e mundiais. Mas Yunus também critica o modelo assistencialista adotado pelo governo brasileiro ao falar sobre programas como o Bolsa Família. “É importante ajudar as pessoas que precisam, mas é preciso tomar cuidado para que elas não se tornem dependentes dessa ajuda por um tempo longo demais. A Europa criou um problema nesse sentido, com várias gerações de pessoas desempregadas. É necessário pensar em ideias para tirar as pessoas dessa situação de dependência, a começar por um grupo pequeno. Esse é o desafio do negócio social”. Para Yunus, o assistencialismo deve dar espaço para soluções de longo prazo, tornando os cidadãos responsáveis e colaborando para a sua integração à sociedade.
Problemas e soluções – Vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006 e conhecido como “banqueiro dos pobres”, Yunus é o fundador do Grameen Bank, em Bangladesh – o primeiro banco do mundo especializado em conceder microcrédito a pessoas de baixa renda. Sua história tem servido de inspiração para governos e pessoas de várias partes do mundo. “A diferença do negócio social para as contribuições de caridade é que estas não são parte de um processo de conscientização: elas fazem um ótimo trabalho, mas o dinheiro investido para ali. Para ajudar mais pessoas, é preciso começar do zero e fazer uma nova arrecadação. Já o negócio social permite que o mesmo dinheiro seja investido várias vezes”, explica. “Para todo problema que vejo, penso em um negócio que busque uma solução para ele. Se a encontro, crio novas instituições para alcançar outras pessoas que enfrentam o mesmo problema”.
Para diminuir o desemprego, por exemplo, é possível incentivar a formação de profissionais que estão em falta no mercado. “É preciso combinar demanda e oferta”, diz. Já o microcrédito é a maior prova de que a solução de um problema local pode ser usada em vários países do mundo, sejam eles desenvolvidos ou não, por mais diferentes que sejam suas realidades. “Às vezes os problemas parecem tão gigantes, que individualmente nos sentimos minúsculos. Meu conselho é: não se sintam ameaçados pela amplitude dos problemas em questão. Tente pensar em como ele reflete em cada indivíduo. Se você conseguir solucionar o problema para uma única pessoa, você amplia a solução para centenas, milhares, milhões: ele pode ser aplicado em qualquer lugar do mundo. A fome, o analfabetismo e o desemprego não são problemas de uma só cidade, mas de todo o país, de toda a região, de todo o planeta”, pontua.
Trajetória
Yunus estudou economia nos EUA e voltou a Bangladesh depois que o país se tornou independente do Paquistão (1971). Diante de uma situação desesperadora, em que a fome era protagonista, criou uma solução inusitada: emprestar pequenas quantias de dinheiro aos pobres, que jamais conseguiriam ajuda dos bancos convencionais. Em 1976, quando ainda era professor universitário, fez a primeira experiência desse tipo ao oferecer 27 dólares a um grupo de 42 artesãos em dificuldades, grande parte deles mulheres. A soma foi suficiente para que comprassem matéria-prima, vendessem sua produção de tamboretes de bambu e garantissem a continuidade do negócio. Animado com as possibilidades que a iniciativa apresentava, o intelectual virou banqueiro no ano seguinte. Fundou o banco Grameen, que significa “banco da aldeia” em bengali, e passou a fomentar a atividade econômica entre os pobres.
Em 2011, porém, Yunus foi demitido da direção do banco que fundou. Naquele ano, o banco já tinha cerca de 955 milhões de dólares em empréstimos a 8,3 milhões de tomadores de crédito. Segundo o governo, o Nobel da Paz deveria ter se aposentado das funções no banco aos 60 anos. O ministro bengali das finanças, A.M. Muhit, chegou a sugerir que Yunus era muito velho para dirigir o banco. Deixando de lado as questões legais, alguns bengalis não descartaram a possibilidade de o economista ser vítima de uma campanha política movida pela primeira-ministra, Sheikh Hasina Wajed. À época, Hasina declarou publicamente que os fornecedores de microcrédito estão “sugando o sangue dos pobres”. Os desentendimentos entre os dois começaram em 2007, quando Yunus sugeriu que criaria seu próprio partido político para limpar seu país da corrupção na administração pública.
28 de maio de 2013
Cecília Araújo, na VEJA.com
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