"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 6 de junho de 2013

NA TV, DEMOCRATAS FAMA DE GERENTE DE DILMA

 

Vai ao ar na noite desta quinta-feira (6) a propaganda partidária do DEM. O blog teve acesso à peça. Quem assiste percebe que, sem mencionar o nome de Dilma Rousseff uma única vez, a legenda dedica os dez minutos de duração do programa à desconstrução da imagem de boa gerente associada à presidente. Faz isso da forma mais implacável, comparando-a com o padrinho Lula e com ela mesma.
 
O DEM foi o partido que mais definhou na era Lula. Perdeu densidade no Congresso. Viu parte dos seus quadros desertar para o PSD de Gilberto Kassab, hoje um neogovernista com representação no ministério de Dilma. A despeito disso, a legenda conseguiu produzir uma propaganda em que a raiva foi substituída por argumentos.
 
Abstendo-se de dar murro em ponta de faca, o DEM abre a peça reconhecendo avanços que incluem a participação de Lula: “O brasileiro já conquistou muita coisa. Uma democracia forte, mais oportunidade, mais dinheiro no bolso. Mas a gente sabe que poderia ir bem mais longe se não fossem tantas barreiras: imposto alto, violência, burocracia…”
 
Feita a concessão, o DEM vende uma tese –“chegou a hora de dar uma chance para quem quer fazer diferente”— e dedica-se a expor as razões que, na opinião da legenda, justificariam a alternância do poder. Velho aliado do tucanato, o DEM tenta associar-se ao que há de mais positivo na gestão de FHC: a conquista da estabilidade econômica.
 
O partido ecoa uma pregação que o presidenciável tucano Aécio Neves entoou no programa do PSDB, exibido há uma semana: “Ajudamos a combater a inflação e a modernizar a economia para o país crescer. O esforço deu certo. O Brasil voltou a gerar emprego, oportunidade e renda. Mas, agora, está quase parando.” É a partir desse ponto que os ‘demos’ alvejam Dilma.
 
“A inflação está voltando”, enfatiza a propaganda, antes de exibir cenas de uma suposta dona de casa espantondo-se com a carestia na feira. “Não está dando para comprar a mesma quantidade de antes”, diz a mulher. “Sempre falta dinheiro”. O DEM borrifa na tela dados sobre a evolução do preço da cesta básica: no ano passado, subiu 23,1% em São Paulo; 22,7% no Rio; 20,7% em Florianópolis; 32,6% em Salvador.
 
Em seguida, compara: “O salário mínimo aumentou só 9%.” Em poucos lances, o DEM logrou traduzir para o português das ruas o que a teoria econômica consagrou como o efeito mais nefasto da alta da inflação: perde mais quem ganha menos.
 
O programa corta para o senador José Agripino Maia (RN). Presidente do DEM federal, ele vocaliza valores caros ao seu partido: Estado enxuto, impostos morigerados e economia de mercado. Em tempos de PIBs mixurucas, Agripino pergunta: “Por que o Brasil parou de crescer e a inflação está de volta?” Ao responder, ele veicula uma excentricidade brasileira: “Temos um governo gastador, com 39 ministérios.”
 
Na sequência, o senador expõe um paradoxo pouco explicitado: “…Só para se vangloriar de não mais dever ao FMI, [o governo Lula] pagou a dívida externa, pela qual pagávamos juros baixos. Mas, para isso, aumentou a dívida interna, que saiu de R$ 1 trilhao para mais de R$ 2 trilhões. São quase R$ 180 bilhões de juros por ano. [...] Agora, não temos condições nem de fazer grandes obras nem de baixar a carga tributária, porque temos que pagar esses juros.”
 
O DEM dedica generosos minutos de seu programa para fustigar Dilma na seara em que ela se julga mais inatacável: a gerência. O partido faz um inventário das principais obras do PAC. Empreendimentos que Dilma coordenou como ministra de Lula e que serviram de matéria prima para sua propaganda de campanha em 2010.
 
Ferrovia Norte-Sul. Previsão de inaguração: 2010, último ano de Lula. Situação em 2013: parada. Segue-se um bordão que o DEM repete após o balanço de cada obra: “Prometeu, não entregou.” Ferrovia Transnordestina. Previsão de inauguração: 2010. Situação em 2013: parada. Ferrovia Oeste-Leste: seria inaugurada em 2014. Porém, “praticamente não saiu do papel”.
 
O balanço atinge o seu ápice na transposição das águas do Rio São Francisco. O DEM recorda que, numa promessa da campanha reeleitoral de 2006, Lula comprometera-se a entregar a obra em três anos. Decorridos sete anos, “menos de metade da obra está concluída”.
 
As câmeras do partido percorrem trechos da transposição. Exibe evidências de deterioração. “O custo, que no início era de R$ 4,5 bilhões, está agora perto de R$ 20 bilhões”, ataca o DEM, antes de mostrar depoimentos de sertanejos submetidos aos efeitos daquela que vem sendo considerada a mais severa seca dos últimos 50 anos.
 
O flerte com a extinção fez bem ao DEM. O partido -ou o que restou dele- tenta fazer da forma mais objetiva o que lhe resta: oposição. O DEM se opõe de maneira mais clara do que o PSDB. Mirando o pedaço do eleitorado que valoriza a livre iniciativa, o partido veicula suas ideias sem meias palavras: “Menos burocracia; menos ministérios e menos gasto público, para reduzir a carga tributária, aumentando a taxa de investimentos do país para 25% do PIB; mais concessões e privatizações, para melhorar a infraestrutura.”
 
Num instante em que o rótulo de “neoliberal” virou fetiche, é bom que o eleitor conservador encontre entre os 30 partidos com registro no TSE ao menos um que não tem medo de chamar as coisas pelo nome próprio. A penúria do DEM mostra que a nitidez nem sempre rende votos. Porém, a legenda parece apostar na capacidade de discernimento do eleitor.
 
Noutros tempos, o ex-PFL retirava o grosso dos seus votos dos fundões do Brasil. O Bolsa Família transferiu essa clientela para o PT. Agora, o DEM tenta seduzir os setores médios dos pedaços urbanos do mapa brasileiro. Escora-se na crença de que os tropeços de Dilma ajudarão a atenuar a demonização de que foi alvo sob Lula. Vai funcionar? As urnas dirão.

06 de junho de 2013
Josias de Souza - UOL

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