De “aliada estratégica”, a Argentina de Cristina Kirchner se converte em fonte imprevisível de problemas para o Brasil.
Depois de tornar impossível a permanência da Vale no país, à frente de um projeto de potássio — apesar da opinião em contrário do companheiro Marco Aurélio Garcia, jejuno em minérios e negócios —, a Casa Rosada acaba de estatizar ferrovias exploradas pela brasileira América Latina Logística (ALL). Mesmo que se confirme a má prestação de serviço, por certo há formas menos beligerantes de se enfrentar a questão.
O contencioso entre Buenos Aires e Brasília não para de crescer, e sempre por iniciativa do kirchnerismo. Vale e ALL são apenas os fatos mais recentes.
Já existe um extenso histórico de medidas protecionistas arbitrárias, em desrespeito a normas do Mercosul, baixadas pela Casa Rosada contra os interesses brasileiros.
E virão mais problemas, pois o governo de Cristina K. é acometido de um ativismo compulsivo, à medida que a crise econômica, política e institucional avança no país.
Não se sabe até quando Brasília ficará passiva, em nome de um projeto ideológico de montagem de uma barreira na América Latina contra o “imperialismo ianque”, um delírio. Afinal, Juan Domingo Perón tentou o mesmo com Vargas, na década de 50, e já não deu certo.
E com a globalização da economia mundial, tornou-se impossível o projeto. Mesmo porque os líderes nesta trincheira, Venezuela e a Argentina recém-convertida ao chavismo, precisam primeiro resolver os grandes problemas internos antes de atacar o “Império”: inflação, desabastecimento (falta de papel higiênico), recessão, crise cambial.
A passividade do governo Dilma pelo menos parece ter levado a indústria de São Paulo a agir, a mais prejudicada pelo protecionismo argentino e, por tabela, pela crise do Mercosul.
Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a Fiesp e a própria Confederação Nacional da Indústria formalizarão ao governo a preocupação com a camisa de força que passou a representar o Mercosul. Impedido de fazer acordos bilaterais com outros países e blocos, o Brasil, tolhido pela ideologia, afunda abraçado à Argentina.
No período de 2008 a 2011, o Brasil deixou de exportar US$ 5,4 bilhões para Argentina, México, Peru, Colômbia, Chile, Equador, Venezuela, Paraguai e Bolívia. O dinheiro foi redistribuído entre China, Estados Unidos, União Europeia e México.
Isso porque o Brasil está ficando para trás no rearranjo do comércio mundial. Exemplo é a criação recente da Aliança do Pacífico (Colômbia, Chile, Peru e México), mais aberta que o Mercosul para acordos com o mundo. Se Roberto Carvalho de Azevêdo conseguir, na OMC, fechar com êxito a Rodada de Doha, muito bem.
Mas até lá o Brasil precisa agir, se livrar do “custo Argentina”, para deixar de perder espaço no comércio global. O que passa pela conversão do Mercosul, de uma união aduaneira, numa área de livre comércio, mais flexível. Esta mudança já está atrasada.
06 de junho de 2013
Editorial d'O Globo
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