No auge da crise do mensalão, em 2005, o então presidente Lula fez um dos discursos mais importantes e ao mesmo tempo titubeantes de seu mandato. Foi uma fala toda lida, e a cada interrupção para respirar (foram várias), um olhar perdido para o teto da sala de reunião da Granja do Torto.
Nesta semana, a presidente Dilma aproveitou um evento oficial para falar sobre as manifestações históricas nas ruas do país. A cada interrupção do discurso, também lido, um olhar para o teto do Palácio do Planalto ("O Brasil hoje acordou mais forte" e "Essas vozes das ruas precisam ser ouvidas", disse, por exemplo).
Em situações históricas distintas, mas ao mesmo tempo adversas e de tensão, os gestos parecidos sugerem momentos de insegurança dos dois presidentes.
Em 2005, naquele dia, Lula falou o que ele e seus assessores achavam que era o mais apropriado para aquele momento, mesmo sem convicção no texto que lia ("Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, que eu me sinto traído" e "Nós temos que pedir desculpas", afirmou, por exemplo).
Reprodução/Youtube/PalaciodoPlanalto/Jorge Oliveira | ||
Dilma e Lula dirigem olhares perdidos para o teto durante discursos em momentos de crise |
Passada aquela crise, o então presidente descartou tudo o que disse naquele 12 de agosto. Lula nunca revelou quem o teria traído e passou a negar com veemência a existência do mensalão.
Assim como naquele caso de Lula, a fala de Dilma também deixou uma imagem de pouca convicção.
O olhar para o teto indicou a situação de uma presidente que, em meio à crise das ruas, teve que deixar o Palácio do Planalto, pegar um voo e ouvir a opinião do ex-presidente Lula em SP.
No atual governo, sempre em meio a crises do Planalto com o Congresso, fala-se sobre a necessidade da presidente mudar sua relação com deputados e senadores. Conversar mais e tomar mais cafezinhos com eles.
Também na recente crise indígena, com uma morte em MS, lembrou-se da interlocução quase que inexistente da presidente com esses grupos.
Agora, pode ser que a atual explosão das ruas leve Dilma a começar a ouvir os movimentos populares de verdade, e não aqueles atrelados diretamente a partidos e aos sindicatos pelegos.
Saber deles as queixas reais dos grotões e das periferias, desde índios e ribeirinhos afetados por uma ferrovia do PAC até os moradores mais excluídos do simbólico barril de pólvora do entorno de Brasília.
Uma oportunidade para a presidente, quem sabe, ganhar fôlego e convicção para responder à atual conturbação das ruas diretamente para as câmeras, como faz nas propagandas do PT, e não para o teto do Planalto.
21 de junho de 2013
EDUARDO SCOLESE - Folha de São Paulo
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