"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 21 de junho de 2013

SOBRAM MOTIVOS PARA PROTESTAR

A indignação das ruas reflete um descontentamento que se traduz em números, como os revelados pela mais recente pesquisa feita pelo Ibope. O levantamento divulgado ontem confirma o declínio do prestígio de Dilma Rousseff e mostra que a multidão tem muito mais motivos além dos centavos agora retirados das tarifas de ônibus para continuar a protestar.
 
A queda captada pelo Ibope é da mesma magnitude daquela que o Datafolha aferiu há duas semanas: oito pontos percentuais. Agora, 55% consideram ótima ou boa a gestão da presidente da República, ante os 63% de três meses atrás. Além disso, agora 25% também desaprovam a maneira de Dilma governar e 28% dizem não confiar na presidente.
 
Há na pesquisa mais um dado especialmente significativo: enquanto no Datafolha a avaliação negativa da presidente apenas variara dentro da margem de erro (de 7% para 9%), no Ibope o índice dos que classificam seu governo como ruim ou péssimo quase dobrou, passando de 7% para 13%. Para 32%, a atual gestão é regular.
 
O prestígio da presidente cai em todas as faixas de renda, em todas as regiões e estratos sociais. Entre quem ganha acima de dez salários mínimos, a queda dos que aprovam a gestão dela foi a mais significativa: 27 pontos, de 77% para 50%. Mas também alcançou os de renda intermediária (dois a cinco mínimos), com redução de 78% para 69%. No Sudeste, caiu 13 pontos.
 
Dilma até teve sorte, porque os pesquisadores do Ibope foram a campo entre 8 e 11 de junho, antes do estouro dos protestos pelo país. Fosse feita hoje, é possível que muito mais brasileiros associariam o aflorar dos descontentamentos à inapetência da presidente para bem governar. Saindo da avaliação geral para a de áreas específicas, a desaprovação à atual gestão é ampla, geral e quase irrestrita.
 
Das nove áreas de atuação do governo avaliadas, seis são desaprovadas pela maioria da população: segurança pública, saúde, impostos, combate à inflação, taxa de juros e educação. Numa das outras três em que Dilma ainda consegue mais aprovação do que rejeição (a do combate ao desemprego), a tendência é de forte declínio: a diferença positiva era de 17 pontos há três meses e agora é de apenas sete.
 
Merece destaque a avaliação que os brasileiros fazem da atuação do governo de Dilma no combate à inflação. Três meses atrás, segundo o Ibope o país dividia-se igualmente entre os que a aprovavam e os que a reprovavam. Agora, a desaprovação subiu dez pontos, para 57%, e nunca foi tão alta nesta gestão. A aprovação caiu o mesmo tanto, para 38%.
 
Dilma também detém enormes saldos negativos quanto a suas políticas de segurança pública (67% desaprovam e apenas 31% aprovam, na pior de todas as avaliações), saúde (66% a 32%) e impostos (64% a 31%). Na política de juros, o placar desfavorável é de 54% a 39% e na educação, de 51% a 47%.
 
Levantamentos como este servem para dar contornos mais nítidos aos motivos pelos quais milhares - talvez já sejam milhões - de brasileiros por todo o país decidiram deixar a tranquilidade dos seus lares para ir para as ruas reclamar. Claro está que as passagens de ônibus foram apenas o estopim da revolta.
 
Poderia haver alguma esperança se Dilma viesse demonstrando maior desenvoltura e preparo para ocupar o cargo para o qual foi eleita há quase três anos. Mas o que tem acontecido é justamente o contrário: uma presidente que, de maneira recorrente, se apequena na função, foge dos problemas e parece mais preocupada com seu futuro político do que com o presente do país.
 
Uma presidente que, ao menor sinal de apuro, recorre a quem está de prontidão para dar conselhos à sua pupila - provavelmente, poucos deles úteis - ou para tentar encontrar, por meio do marketing, uma forma de distorcer a realidade de maneira a fazê-la caber nas artimanhas eleitoreiras de seu projeto presidencial.
 
"Ela, que tanto intimida a sua equipe com seus modos autoritários e a certeza de ser a dona da verdade, tornou a demonstrar que, na hora H, não é ninguém sem dois conselheiros. Um é o marqueteiro-residente do Planalto, João Santana. O outro, claro, é o seu progenitor político Luiz Inácio Lula da Silva", resume O Estado de S.Paulo em editorial em sua edição de hoje.
Dilma Rousseff vai conseguindo descontentar a tudo e a todos.

Até os seus já não lhe suportam. Os sindicalistas não lhe querem e preferem tratar com quem continua mandando de fato. Os empresários sonham em vê-la pelas costas. E o povo, nas ruas, transforma o que antes era dissimulado em rugido ensurdecedor. Como mostra o Ibope, todos têm razões de sobras para estarem descontentes e para protestar.

21 de junho de 2013
instituto teotonio vilela

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