"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 21 de junho de 2013

O CUIDADO NO ARREFECIMENTO


O momento mais decisivo e arriscado para aqueles que participam dos recentes protestos políticos pelo Brasil começa agora.
Se até aqui a batalha foi dura e repleta de obstáculos, incluindo aqueles colocados pela forças policiais e pela ação mais violenta de alguns grupos, a situação, a partir de agora, é outra.

O natural é que se inicie um processo de arrefecimento do movimento. Há um desgaste e um cansaço naturais que, quase sempre, são acompanhados de uma dispersão. Entretanto, é quando isso acontece que há uma disputa política pela apropriação do movimento. Quase sempre esse duelo é travado pelas lideranças e pelos partidos já estabelecidos.

Portanto, é importante que os manifestantes tenham o cuidado de impedir que a espontaneidade e a legitimidade dos protestos sejam utilizados de forma indevida e com fins eleitoreiros. Não é uma missão fácil, mas é necessária para quem pretende tornar o país mais justo e democrático.

Na verdade, ainda que esse movimento seja extremamente difuso e, efetivamente, não tenha um foco determinado, a autenticidade dele é louvável e pode contribuir para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Repetindo uma frase que um dos rapazes envolvidos nas manifestações disse ao ouvir que o movimento não tinha líderes nem bandeiras definidas – bandeiras são muitas, e líderes serão criados –, seria muito salutar que desse movimento surgissem novas lideranças, aptas a manter a capacidade de articulação e mobilização agora demonstrada.

E, mais importante do que isso, que sejam capazes também de identificar um caminho de atuação que ultrapasse o protesto e que busque a identificação com as instituições democráticas.

Essa geração que ocupa as ruas tem todo o direito de rejeitar a atual representação política. Mas, certamente, não tem o direito de desconhecer a importância das instituições para a democracia. Nas décadas de 60, 70 e 80, muitos jovens foram torturados e morreram para impedir que o Congresso Nacional fosse fechado e para que o povo tivesse o direito de escolher os seus governantes. São os Poderes instituídos e a Constituição que garantem a democracia.

Portanto, é mais do que compreensível que haja um grande descontentamento com os atuais parlamentares e governantes. Sendo assim, que a juventude crie novas lideranças em consonância com os seus anseios e as elejam, evitando a recondução ao poder daqueles que não estejam comprometidos com a sociedade brasileira. Importante é que esse processo aconteça dentro do jogo democrático, com respeito às instituições.

Derrotar os maus políticos sim, mas jogar por terra os partidos e os Poderes é o mesmo que tirar o sofá da sala.

21 de junho de 2013
Carla Kreefft (O Tempo)

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