Não se deve deixar dissipar a energia mobilizada por todas estas manifestações, para o encaminhamento das reformas de que o país precisa
Será ingênuo o administrador municipal ou político estadual e federal que considerar o recuo no reajuste das tarifas, decisão inevitável, capaz de esvaziar o movimento que acaba de descobrir o caminho das ruas. Não se consegue ocupá-las indefinidamente. Há uma natural fadiga. Mas, tudo indica, muita coisa na política brasileira não será mais como antes depois da erupção de insatisfações que tomou conta do asfalto, à margem de partidos, sindicatos, organizações ditas sociais, e apesar de todo o poder de cooptação demonstrado pelo governo federal nos últimos 12 anos.
O movimento — horizontalizado, sem muitas lideranças visíveis, alimentado pelas redes sociais — tem grandes desafios depois da primeira vitória. O que fazer agora? Já surgiu a ideia de se dar prioridade ao passe livre. Ora, se o recuo em R$ 0,20 representará um aumento de milhões no subsídio que os cofres estaduais e municipal do estado e cidade de São Paulo, por exemplo, concedem ao transporte, a gratuidade, então, se mostra uma impossibilidade fiscal e aritmética.
Mas o movimento não se esgota no custo do transporte de massa. Vai muito além, e trata de algo mais amplo, decorrente de um estado de coisas criado por um modelo de gestão que sacrifica o contribuinte e não dá à população retorno proporcional aos impostos que cobra. A carga tributária é escorchante e nada que é devolvido ao povo tem o tal "padrão Fifa" reclamado em faixas e cartazes.
Há, ainda, a denúncia, presente nas concentrações e passeatas, do deplorável padrão ético no exercício da política, em que reina o fisiologismo do toma lá dá cá e campeia a impunidade, percepção ainda mais agravada com a ideia, interpretada nas ruas, de que a condenação dos mensaleiros não é "pra valer".
Ligada ao tema, há uma profusão de cartazes contra a “PEC-37”, código cifrado de uma emenda constitucional apresentada para cassar o poder de investigação do Ministério Público, e identificada nas manifestações como sinônimo de impunidade — e com razão. Fica provado que não há tema, por mais hermético que pareça ser, que escape da atenção desse novo mundo digital.
A magnitude das manifestações de ontem, em várias capitais, transcende a comemoração pela vitória na luta das tarifas e reforça o desafio: como transformar em ações concretas a enxurrada de críticas, reivindicações e desabafos mostrados por milhares de pessoas, em todo o país, durante estes dias. Anuncia-se o encaminhamento de um projeto de origem popular para a instituição do passe livre. A iniciativa permite, ao menos, discutir-se de forma objetiva as fontes de custeio para financiar a gratuidade.
Haja outras ações deste tipo ou não, é necessário não se deixar dissipar a energia mobilizada em todas essas manifestações, para o encaminhamento de reformas com vistas à melhoria do quadro político e da administração pública, tudo sempre dentro dos marcos legais.
21 de junho de 2013
Editorial de O Globo
O movimento — horizontalizado, sem muitas lideranças visíveis, alimentado pelas redes sociais — tem grandes desafios depois da primeira vitória. O que fazer agora? Já surgiu a ideia de se dar prioridade ao passe livre. Ora, se o recuo em R$ 0,20 representará um aumento de milhões no subsídio que os cofres estaduais e municipal do estado e cidade de São Paulo, por exemplo, concedem ao transporte, a gratuidade, então, se mostra uma impossibilidade fiscal e aritmética.
Mas o movimento não se esgota no custo do transporte de massa. Vai muito além, e trata de algo mais amplo, decorrente de um estado de coisas criado por um modelo de gestão que sacrifica o contribuinte e não dá à população retorno proporcional aos impostos que cobra. A carga tributária é escorchante e nada que é devolvido ao povo tem o tal "padrão Fifa" reclamado em faixas e cartazes.
Há, ainda, a denúncia, presente nas concentrações e passeatas, do deplorável padrão ético no exercício da política, em que reina o fisiologismo do toma lá dá cá e campeia a impunidade, percepção ainda mais agravada com a ideia, interpretada nas ruas, de que a condenação dos mensaleiros não é "pra valer".
Ligada ao tema, há uma profusão de cartazes contra a “PEC-37”, código cifrado de uma emenda constitucional apresentada para cassar o poder de investigação do Ministério Público, e identificada nas manifestações como sinônimo de impunidade — e com razão. Fica provado que não há tema, por mais hermético que pareça ser, que escape da atenção desse novo mundo digital.
A magnitude das manifestações de ontem, em várias capitais, transcende a comemoração pela vitória na luta das tarifas e reforça o desafio: como transformar em ações concretas a enxurrada de críticas, reivindicações e desabafos mostrados por milhares de pessoas, em todo o país, durante estes dias. Anuncia-se o encaminhamento de um projeto de origem popular para a instituição do passe livre. A iniciativa permite, ao menos, discutir-se de forma objetiva as fontes de custeio para financiar a gratuidade.
Haja outras ações deste tipo ou não, é necessário não se deixar dissipar a energia mobilizada em todas essas manifestações, para o encaminhamento de reformas com vistas à melhoria do quadro político e da administração pública, tudo sempre dentro dos marcos legais.
21 de junho de 2013
Editorial de O Globo
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