"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O DILEMA DE UM JUIZ

Ex-advogado do PT, o ministro José Dias Toffoli analisa a participação no julgamento do mensalão. Para juristas, antigas relações profissionais com réus do caso não seriam impeditivos para o magistrado analisar as acusações
A dois dias do início do julgamento do mensalão, advogados, representantes da Procuradoria Geral da República e os réus do escândalo ainda não sabem quantos magistrados vão de fato analisar o caso em plenário. A dúvida cresce na mesma proporção em que aumentam na cidade as especulações a respeito da participação do ministro José Antônio Dias Toffoli no julgamento. Juristas, advogados envolvidos no caso e integrantes do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) se dividem sobre a participação de Toffoli na análise do processo. Isso porque o ministro já advogou para o Partido dos Trabalhadores — legenda de onde saíram os principais réus do caso do mensalão. Além disso, sua companheira, a advogada Roberta Rangel, fez a sustentação oral de defesa de um dos 38 acusados no início do caso. A pessoas próximas, Toffoli já revelou a determinação em participar do julgamento. Ele está estudando até mesmo votos de atuais e ex-ministros em casos que envolviam os interesses do governo que os havia indicado.
A companheira do ministro deixou a defesa do ex-deputado federal Professor Luizinho antes mesmo que ele virasse ministro do Supremo. Hoje, ela não tem mais relação profissional com nenhum dos réus. Mas alguns juristas citam o Artigo 252 do Código de Processo Penal como justificativa para pedir que Toffoli fique fora do caso. Esse trecho da lei diz que o magistrado não pode atuar nos processos em que o cônjuge ou parente de até terceiro grau já tenha participado como advogado. Roberta Rangel e Toffoli não são casados, mas alguns especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que, hoje em dia, um relacionamento estável tem o mesmo peso legal do casamento.
Entre os que são contra a participação de Toffoli, outro argumento é a sua antiga ligação com o PT. Como ele também foi assessor jurídico da Casa Civil durante a gestão do ex-ministro José Dirceu, isso é citado como justificativa para os que defendem que ele fique de fora do julgamento do mensalão. Para o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, uma antiga relação de trabalho não é justificativa para Toffoli deixar o caso. "A suspeição é prevista quando o magistrado é amigo íntimo do réu, por exemplo. O fato de um juiz ter, no passado, trabalhado junto com o acusado não implica na necessidade de suspeição", comenta Calandra.
No meio jurídico, existe até mesmo a especulação de que Toffoli poderia se declarar impedido de julgar alguns dos réus, como Dirceu ou Professor Luizinho, sem abrir mão do processo como um todo. Mas o ex-ministro do STF Carlos Velloso acredita que essa solução não seria possível. "Se houver declaração de suspeição, tem que ser para o processo todo. O STF não mandou o caso para o primeiro grau no caso dos réus que não têm foro privilegiado justamente porque as acusações se interligam, é preciso julgar o processo como um todo", comenta o jurista.
Indicativo
Dois ministros do STF ouvidos de forma reservada pelo Correio avaliam que Toffoli não deveria participar do julgamento, embora acreditem que ele decidirá por julgar a ação penal do mensalão. Entre os advogados, a maior parte manifesta-se no sentido de que não há impedimento ou suspeição para que Toffoli aprecie o processo. Defensor do empresário Marcos Valério, Marcelo Leonardo diz acreditar que o ministro paulista estará em plenário julgando o mensalão. "O ministro Toffoli já julgou dois agravos regimentais no curso dessa ação. É uma indicação de que não há nenhum obstáculo", afirmou o advogado de Valério.
O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, afirmou ontem que não cogita a possibilidade de algum ministro da Corte propor o impedimento de Toffoli nesse processo. "Ele pode decidir (se participará do julgamento) até o dia da sessão ou até durante a sessão, se essa questão for suscitada." Britto chegou a dizer, em entrevista a jornalistas na tarde de ontem, que o fato de Toffoli ter participado em plenário da análise de questões de ordem referentes ao mensalão "sinaliza a participação" dele no julgamento.
O presidente do STF, porém, retificou sua resposta na sequência. "Ninguém estabeleceu esse vínculo entre o fato de o ministro Toffoli participar da questão de ordem e a pré-disposição dele para participar do julgamento. Não me preocupa isso, ele saberá decidir", afirmou o presidente da Corte. Uma pessoa próxima ao ministro Toffoli revelou ao Correio que o ministro estudou outros casos polêmicos em que os magistrados não pediram afastamento. "Ele pegou casos que mostram como Maurício Corrêa se comportava em casos relacionados ao governo Itamar; processos do Celso de Mello com relação ao Saulo Ramos; ou do Ilmar Galvão no processo do Collor. São pessoas que não se julgaram impedidas de votar", comentou a fonte.
Pedido de suspeição
Ontem, o STF recebeu a primeira manifestação oficial a respeito da participação de Dias Toffoli no julgamento. O advogado de Mato Grosso do Sul Paulo Magalhães Araújo apresentou petição defendendo que o ministro se declare suspeito. O STF não deve acatar o pedido porque, como não é parte no processo, o advogado não teria legitimidade para apresentar a petição.
O que diz a lei
Código de Processo Penal a respeito de impedimento e suspeição:
» O magistrado não poderá julgar processo em que seu cônjuge ou parente de até terceiro grau tenha atuado como defensor, advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da Justiça ou perito.
» Ele também não pode julgar os casos em que tiver desempenhado essas mesmas funções ou servido como testemunha
» O magistrado não pode atuar nos casos em que já trabalhou como juiz de outra instância
» É vedada a participação do juiz em um caso se ele próprio, seu cônjuge ou parente de até terceiro grau for parte ou diretamente interessado no feito
Código de Processo Civil:
» Não é permitido a um juiz exercer funções no processo de que for parte; em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, atuou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha. Também é proibida a sua atuação nos casos em que atuou em outras instâncias ou quando seu cônjuge ou parente de até terceiro grau trabalhou como advogado da parte.
» Há suspeição de parcialidade do juiz quando ele for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; quando alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes ou quando ele receber presentes antes ou depois de iniciado o processo.

Correio Braziliense (DF) - 31/07/2012
HELENA MADER, DENISE ROTHENBURG, DIEGO ABREU e JOSIE JERONIMO

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