Pessoas ouvidas no processo do mensalão confirmam a
existência de três delitos denunciados pelo presidente do PTB: formação de
quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva
A primeira denúncia do ex-deputado Roberto
Jefferson sobre existência de esquema de cooptação de parlamentares por
auxiliares do governo abriu o leque de outros crimes, confirmados por 600
testemunhas ouvidas na investigação que deu origem à ação penal nº 470, que
começará a ser julgada amanhã pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Levantamento
do Correio — que reuniu trechos de depoimentos de testemunhas de defesa e
acusação arroladas na ação — mostra que os relatos dão suporte para confirmar
denúncias apontadas pelo presidente do PTB em pelo menos três delitos: formação
de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. A exceção é o próprio
crime levantado por Jefferson em 2005, a orquestração de delitos para montar
fundo usado para pagar mesada a parlamentares que votassem de acordo com a
vontade do governo, o mensalão.
Entre as mais de 600 pessoas ouvidas de 2006 a
2010, como testemunhas no processo, o ex-deputado é o único a relatar
informações dos dois núcleos, chamados financeiro e político, do suposto
esquema. O advogado do denunciante, Luiz Francisco Corrêa Barbosa, afirma que
apesar de ninguém mais falar de mensalão nas 50 mil páginas da AP 470, as
testemunhas confirmam saques de recursos com origem não explicada. "Tem
600 testemunhas, mas ninguém relata isso. Ninguém foi perguntado sobre isso. A
prova de acusação são os recebimentos. Não se sabe a natureza do pagamento, mas
ninguém nega os recebimentos. Isso (o crime financeiro) ninguém prova com
testemunhas. É importante relembrar que ele (Jefferson) não é acusado de
mensalão. Ele seria a melhor testemunha de acusação que o Ministério Público
poderia encontrar", resume Barbosa.
Dirigentes partidários, donos de posto de gasolina
e de carro de som, fornecedores de campanha, formam perfil recorrente das
testemunhas arroladas pelos réus do mensalão. Um correligionário de diretório
do interior do Rio de Janeiro que depõe a favor do ex-deputado Carlos Rodrigues
chegou a afirmar que dívidas de campanha tinham motivado ameaças de morte
contra integrantes do comitê partidário. Do lado do Ministério Público Federal,
41 testemunhas arroladas como acusação relatam informações que podem comprovar
crimes do núcleo financeiro. Grande parte do rol de testemunhas é composta por
ex-funcionários dos bancos e empresas enquadradas como supostos financiadores
do esquema. Os depoentes relatam movimentações financeiras de pessoas ligadas
ao grupo do empresário Marcos Valério Fernandes, apontado como suposto operador
do mensalão.
Mea-culpa
A estratégia dos advogados de defesa dos
integrantes do núcleo político é fazer um mea-culpa sobre utilização de
recursos de origem não identificada para pagamento de gastos eleitorais e fugir
das acusações de formação de quadrilha que poderiam classificar o crime como
mensalão. A admissão dos pequenos crimes pelas testemunhas arroladas faz parte
do artifício.
O jurista Victor Gabriel Rodriguez, professor de
direito penal da USP Ribeirão Preto, explica que, em casos de crime financeiro,
o peso do elemento testemunhal é menor, mas ajuda a comprovar a natureza das
operações financeiras. "Na prática, para um processo como esse, que
envolve valores vultosos e lavagem de dinheiro, os depoimentos são suficientes
para relatar esse tipo de delito. O juiz observa o contexto, ele geralmente não
faz perguntas que a pessoa não pode responder como: Existe mensalão? O depoente
vai dizer que não. Mas ele vai ficar atento às contradições."
O especialista em direito penal afirma que um
quadro de "tolerância social à corrupção" prejudica a tomada de
depoimentos que sejam diretos ao relatar esquemas de desvio de verbas em
contextos políticos. "O problema da corrupção é que você não tem um
vitimado e um interessado. Você não tem alguém que reclame, porque a vítima é coletiva.
No crime de corrupção, por não ter uma vítima concreta é difícil ter alguém com
vontade de relatar, pois todos os envolvidos lucram."
"Na prática, para um processo como esse, que
envolve valores vultosos e lavagem de dinheiro, os depoimentos são suficientes
para relatar esse tipo de delito"
Victor Gabriel Rodriguez, professor de direito
penal da USP Ribeirão Preto
Argumentos
Confira o que diz Roberto Jefferson sobre o
mensalão
Grupo formado por Marcos Valério e empresas seriam
responsáveis por comandar desvios de recursos públicos e concessões de
benefícios indevidos para lavar dinheiro usado na compra de apoio político;
Para a aprovação de projetos de lei, auxiliares do
governo teriam corrompido deputados;
O esquema era composto por quadrilhas autônomas que
atentaram contra o livre exercício do Poder Legislativo;
A defesa de Jefferson questiona suposta incoerência
da denúncia, alegando que, apesar de aceitar a tese de corrupção de
parlamentares por auxiliares do governo para votar projetos de interesse do
Planalto, o chefe do Executivo não é mencionado;
Jefferson se coloca fora do mensalão porque,
segundo sua defesa, o repasse de R$ 4 milhões para o PTB não consistia em apoio
político no Congresso, mas doação de campanha para as eleições municipais de
2004;
Em nenhum momento
da investigação alcançou-se indicação documental ou oral que desminta a versão
de Roberto Jefferson, formula a defesa.
Correio Braziliense (DF) - 01/08/2012
JOSIE JERONIMO
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