O 'sagrado' direito de defesa tem sido usado como salvo-conduto para uma situação entendida como inapelavelmente 'profana' pelo cidadão comum
A indignação se manifesta seja quando um advogado de porta de cadeia assume as rédeas dos mais escabrosos casos de infanticídios, esquartejamentos, estupros e aberrações que tais (“como é que pode defender esse monstro?!”), seja quando renomados criminalistas, como Bastos, pegam casos de gente bem posicionada na pirâmide social e estigmatizada pelos crimes cometidos — gente com dinheiro suficiente para arcar com os custos da melhor assistência jurídica que a USP e a esplanada dos Ministérios, por assim dizer, foram capazes de produzir.
Diante dessa compreensível estranheza popular e de parte da imprensa, passando por figuras públicas e partidos políticos — ainda que a estranheza seja, digamos, tecnicamente injustificada, para usar um termo do próprio Márcio Thomaz Bastos –, chovem juristas irritados, ansiosos para defender “o devido processo legal”, o “amplo direito de defesa”, dando murro nesta imensa e afiada ponta de faca que é o senso comum.
A brilhante carreira do doutor Bastos
A crônica jurídica e jornalística dá conta de que Márcio Thomaz Bastos está à frente de “um dos mais respeitados escritórios de advocacia criminal do país”. Tal respeito alcança as raias da devoção entre a clientela agradecida. Dependesse da gente comum, entretanto, aquela que assiste ao encarceramento em massa dos pobres e à impunidade sistemática dos ricos, a firma do ex-ministro, verdadeira máquina de soltar graúdos, não teria tanto prestígio assim. Senão, vejamos:
Em 1985 Márcio Thomaz Bastos livrou da prisão o dono do Grupo Brasilinvest, o empresário Mário Garnero, então acusado de fraudes que teriam provocado um grande rombo nos cofres públicos no início do governo Sarney. Ganhou US$ 250 mil pelos bons serviços prestados.
Em 1992, Márcio Thomaz Bastos soltou Edir Macedo, preso por charlatanismo, com um pedido de habeas corpus considerado uma perfeita peça jurídica na qual argumentou que o bispo estava sendo vítima de “intolerância e do preconceito religioso”.
Em 1997, Márcio Thomaz Bastos defendeu os jovens de classe média alta, alguns deles filhos de togados, que atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos enquanto ele dormia num ponto de ônibus em Brasília. Os cinco estão hoje em liberdade condicional.
Em 2003, um dia depois de Márcio Thomaz Bastos assumir o cargo de ministro da Justiça, foi pedida a sustação do processo contra os estudantes de medicina da USP que mataram o calouro Edison Tsung-Chi Hsueh por afogamento durante um trote na piscina do campus. Bastos era advogado de um dos réus, Luís Eduardo Passarelli Tirico. O caso acabou arquivado em 2006 pelo Superior
Tribunal de Justiça.
Honorários e dinheiro sujo
Em 2010, já depois da temporada no governo Lula e da quarentena que cumpriu após o ministério, Márcio Thomaz Bastos ajudou o médico Roger Abdelmassih, que fez fortuna no ramo de reprodução assistida e depois foi condenado a 278 anos de prisão por estupro e abuso sexual de pacientes. O doutor conseguiu um Habeas Corpus no Supremo e escafedeu-se no mundo.
Por causa de atuações bem-sucedidas como estas em seu belo currículo de advogado de defesa, foi a Márcio Thomaz Batos que Eike Batista recorreu quando seu filho, Thor, viu-se às voltas com uma acusação de ter atropelado e matado um ciclista porque estaria em excesso de velocidade em seu carrão importado; por causa do seu portfólio de absolvições e minimizações de penas de malfeitores mil, a empreiteira Camargo Correia aceitou pagar R$ 15 milhões para tê-lo à frente de sua defesa no esteio da Operação Castelo de Areia da Polícia Federal; é por isso, afinal, que Carlinhos Cachoeira o contratou e pagará os honorários do advogado mais requisitado do Brasil com todo o dinheiro sujo de que dispõe.
O fato é que, diante de legítimos questionamentos sobre a relação de contratante e contratado entre um notório contraventor e corruptor que atua no âmbito do Estado e um ex-ministro recente da Justiça, este último e a maioria dos seus colegas têm desfraldado a bandeira do “sagrado” direito de defesa como salvo-conduto inquestionável para uma situação percebida como inapelavelmente “profana” pelo cidadão comum.
01 de agosto de 2012
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